Agustín cria suas próprias regras

Em cima do salto, o jovem uruguaio faz maquiagens em pacientes com câncer

Ana Vaz_AGUSTIN

Ana Carolina Vaz

“Eu me sinto tão bem assim”, diz Agustín Fernandez, em cima do salto, de vestido longo e barba na cara. O maquiador e cabeleireiro uruguaio, de 22 anos, mora em Florianópolis há três anos, mas desde criança gosta de se vestir com roupas de mulheres. Ganhou visibilidade mundial pela internet misturando visuais masculino e feminino em fotos publicadas em seus perfis nas redes sociais. A inspiração vem da Europa. Agustín se espelha na vencedora do concurso de música mais tradicional da TV europeia, Conchita Wurst, que na verdade é o cantor austríaco Tom Neuwirth, que se apresentava de barba e vestidos de gala.

Mas não é só pelo visual diferenciado que Agustín é reconhecido. Há um ano, o maquiador mantém um projeto pelo qual proporciona um dia de beleza para mulheres com câncer. “Pior é que ele é desgraçado para a maquiagem”, diz Silvana Gonçalves, de 30 anos, se olhando no espelho, em cima de uma das camas do Centro de Pesquisas Oncológicas de Florianópolis (Cepon). Trabalhada na peruca loura e na maquiagem, ela aproveita um dos poucos momentos em que esquece que está ali tratando um câncer nos ossos que descobriu há três anos. “Meu marido não vai acreditar, ele nem vai me reconhecer. Quando ele me vir, ele vai querer me abraçar e nunca mais largar”, diz sorrindo, olhando para Augustín, autor da ‘obra’.

Referência no estado, o Cepon atende em média cinco mil pacientes por mês pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Centro gerenciado pela Fundação de Apoio ao Hemosc/Cepon (Fahece) oferece procedimentos para o tratamento, cirurgias e o pós-operatório – quando o paciente ainda precisa se recuperar fisicamente e psicologicamente. E é lá que Agustín tem compromisso marcado pelo menos uma vez por semana. Tem que ser cedo, pois às 6 horas da tarde é o horário da medicação delas e o médico não libera.  Ele escolhe o melhor vestido, a melhor peruca, arruma a maleta de maquiagens, apara a barba e sobe no salto para mais um dia de beleza nas pacientes. “Posso dizer que o meu trabalho nunca foi tão bem pago”, diz sorrindo enquanto tira uma selfie com a Silvana, no leito 32 do Cepon.

Mesmo com visual inspirado na cantora austríaca, Agustín não pretende criar uma personagem. A produção que o deixa parecido com a cantora não demora mais do que uma hora. Ela funciona, principalmente, para testes de automaquiagem, uma das especialidades que atraem as clientes ao salão de beleza em que trabalha no centro da capital catarinense. “Há mais ou menos um ano fiz uma maquiagem de mulher mesmo usando barba. No início, fiquei com receio do preconceito, como as pessoas receberiam. Mas publiquei no Facebook e foram mais de 300 curtidas. Algumas pessoas vieram me parabenizar. E, claro, eu busco transmitir uma imagem que não seja vulgar, somente a beleza como destaque”, afirma o maquiador.

Para a doutoranda em Ciências Humanas e pesquisadora do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (Nigs), da Universidade Federal de Santa Catarina, Simone Ávila, o visual como o de Agustín, ao aparecer na mídia, coloca em xeque algumas normas impostas pela sociedade. “Isso mostra que nem todas as pessoas seguem esses padrões impostos, como as pessoas trans e os/as homossexuais; estes devem ter seus direitos assegurados sempre, porque, antes de mais nada, estamos falando de direitos humanos”, enfatiza a pesquisadora.

Ainda que difunda uma ideia de respeito e tolerância, Agustín prefere não falar sobre o assunto homofobia. Prefere ‘fechar as cortinas’ para o tema e focar em seu maior objetivo que é aprimorar o trabalho como maquiador. Sonha também numa possível carreira como modelo feminino. Seja o que for, em cima do salto, de vestido longo e barba na cara. “Esta é a minha verdade, faz eu me sentir bem assim e expressa o que eu sinto. Até tentei mudar para tentar fazer parte do jogo, mas aí percebi que podia criar as minhas próprias regras”, sentencia.

Deixe um comentário